Quem sou eu

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Campinas, São Paulo, Brazil
Psicólogo Clínico Junguiano com formação pela Unicamp, terapia corporal Reichiana, Hipnoterapeuta com formação em Hipnose Ericksoniana com Stephen Gilligan.E outras formações com Ericksonianos: Ernest Rossi, Teresa Robles, Betty Alice Erickson. Formação em Constelação Familiar Sistémica pelo Instituto de Filosofia Prática da Alemanha. Uma rica e inovadora terapia divulgada em toda Europa. Professor de Hipnoterapia, além de ministrar cursos de Auto-conhecimento como Eneagrama da Personalidade e Workshop de Constelação Familiar Sistémica em todo o Brasil. Clínica em Campinas-SP. Rua Pilar do Sul, 173 Chácara da Barra. Campinas-SP F.(19) 997153536

Uma relação de ajuda

Como é bela, intensa e libertadora é a experiência de se aprender a ajudar o outro. É impossível descrever-se a necessidade imensa que têm as pessoas de serem realmente ouvidas, levadas a sério, compreendidas.
A psicologia de nossos dias nos tem, cada vez mais, chamado a atenção para esse aspecto. Bem no cerne de toda psicoterapia permanece esse tipo de relacionamento em que alguém pode falar tudo a seu próprio respeito, como uma criança fala tudo "a sua mãe.
Ninguém pode se desenvolver livremente nesse mundo, sem encontrar uma vida plena, pelo menos...
Aquele que se quiser perceber com clareza deve se abrir a um confidente, escolhido livremente e merecedor de tal confiança.
Ouça todas a conversas desse mundo, tanto entre nações quanto entre casais. São, na maior parte, diálogos entre surdos.
Paul Tournier.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Palestra de Hellinger em SP.

Muita gente julga que o amor tem o poder de superar tudo, que é preciso apenas amar bastante e tudo ficará bem. Contudo, a experiência mostra que isto não é verdade. Muitos pais são forçados a experimentar que, apesar do amor que dão a seus filhos, estes não se desenvolvem como eles esperavam. São forçados a ver seus filhos adoecerem, se drogarem ou suicidarem, apesar de todo o amor que lhes dão. Para que o amor dê certo, é preciso que exista alguma outra coisa ao lado dele. É necessário que haja o conhecimento e o reconhecimento de uma ordem oculta do amor.

Ordem e amor

O amor preenche o que a ordem abarca.
O amor é a água, a ordem é o jarro.

A ordem ajunta,
o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.

Como uma linda canção obedece às harmonias,
assim o amor obedece à ordem.
Assim como o ouvido dificilmente se acostuma
às dissonâncias, mesmo quando são explicadas,
assim também nossa alma dificilmente se acostuma
ao amor sem ordem.

Muita gente trata essa ordem
como se ela fosse uma opinião
que se pode ter ou mudar à vontade.

Contudo, ela nos preexiste.
Ela atua, mesmo que não a entendamos.
Não é inventada, mas encontrada.
É por seus efeitos que a descobrimos,
Como descobrimos o sentido e a alma.

Muitas dessas ordens são ocultas. Não podemos sondá-las. Elas atuam nas profundezas da alma, e freqüentemente as encobrimos com pensamentos, objeções, desejos e medos. É preciso tocar no fundo da alma para vivenciar as ordens do amor.

Tomar a vida

Direi primeiro alguma coisa sobre as ordens do amor entre pais e filhos e, do ponto de vista da criança, isto é, do filho para com seus pais. Aqui menciono algumas verdades banais. Elas são tão óbvias que eu quase me envergonho de citá-las. Não obstante, são freqüentemente esquecidas.

O primeiro ponto é que os pais, ao darem a vida, dão à criança, nesse mais profundo ato humano, tudo o que possuem. A isso eles nada podem acrescentar, disso nada podem tirar. Na consumação do amor, o pai e a mãe entregam a totalidade do que possuem. Pertence portanto à ordem do amor que o filho tome a vida tal como a recebe de seus pais. Dela, o filho nada pode excluir, nem desejar que não exista. A ela, também, nada pode acrescentar. O filho é os seus pais. Portanto, pertence à ordem do amor para um filho, em primeiro lugar, que ele diga sim a seus pais como eles são -- sem qualquer outro desejo e sem nenhum medo. Só assim cada um recebe a vida: através dos seus pais, da forma como eles são.

Esse ato de tomar a vida é uma realização muito profunda. Ele consiste em assumir minha vida e meu destino, tal como me foi dado através de meus pais. Com os limites que me são impostos. Com as possibilidades que me são concedidas. Com o emaranhamento nos destinos e na culpa dessa família, no que houver nela de leve e de pesado, seja o que for.

Essa aceitação da vida é um ato religioso. É um ato de despojamento, uma renúncia a qualquer exigência que ultrapasse o que me foi transmitido através de meus pais. Essa aceitação vai muito além dos pais. Por esta razão, não posso, nesse ato, considerar apenas os meus pais. Preciso olhar para além deles, para o espaço distante de onde se origina a vida e me curvar diante de seu mistério. No ato de tomar os meus pais, digo sim a esse mistério e me ajusto a ele.

O efeito desse ato pode ser comprovado na própria alma. Imaginem-se curvando-se profundamente diante de seus pais e dizendo-lhes:"Eu tomo esta vida pelo preço que custou a vocês e que custa a mim. Eu tomo esta vida com tudo o que lhe pertence, com seus limites e oportunidades". Nesse exato momento, o coração se expande. Quem consegue realizar esse ato, fica bem consigo, sente-se inteiro.

Como contraprova, pode-se igualmente imaginar o efeito da atitude oposta, quando uma pessoa diz: "Eu gostaria de ter outros pais. Não os suporto como eles são." Que atrevimento! Quem fala assim, sente-se vazio e pobre, não pode estar em paz consigo mesmo.

Algumas pessoas acreditam que, se aceitarem plenamente seus pais, algo de mau poderá infiltrar-se nelas. Assim, não se expõem à totalidade da vida. Com isto, contudo, perdem também o que é bom. Quem assume seus pais, como eles são, assume a plenitude da vida, como ela é.

E algo que é próprio

Mas aqui existe ainda um mistério que não posso justificar. Com efeito, cada um experimenta que também tem em si algo de único, algo que é inteiramente próprio, irrepetível, e não pode ser derivado de seus pais. Isso também ele precisa assumir. Pode ser algo de leve ou de pesado, algo de bom ou de mau. Isto não podemos julgar.

A pessoa que encara o mundo e sua própria vida com olhos desimpedidos pode ver que tudo o que ela faz obedece a uma ordem. Tudo o que ela faz ou deixa de fazer, tudo o que ela apoia ou combate, ela o realiza porque foi encarregada de um serviço que ela própria não entende. Aquele que se entrega a tal serviço, experimenta-o como uma tarefa ou como um chamado, que não se baseia nos próprios méritos nem na própria culpa (quando for algo de pesado ou cruel). Ele foi simplesmente tomado a serviço.

Quando contemplamos o mundo desta maneira, cessam as diferenças habituais. Costumo descrever isto com o dito seguinte:

O mesmo

A brisa sopra e sussurra,
A tempestade varre e se enfurece,
E no entanto
é o mesmo vento,
o mesmo canto.

A mesma água
nos tira a sede e nos afoga,
nos carrega e nos sepulta.

Todo ser vivo se desgasta,
se mantém vivo e se aniquila.
Em ambos os casos,
a mesma força o impele.

Ela é que conta.

A quem servem então as diferenças?

Falei até aqui sobre a ordem fundamental da vida. Foi-nos concedido termos pais e sermos filhos. E temos também algo de próprio.

Aceitar tudo o mais que nossos pais nos dão

Na verdade, os pais não dão aos filhos apenas a vida. Eles nos dão também outras coisas: alimentam-nos, educam-nos, cuidam de nós e assim por diante. Convém à criança que ela tome tudo isso, da forma como o recebe. Quando a criança o aceita de bom grado, costuma bastar. Existem exceções, que todos conhecemos, mas via de regra é suficiente. Pode não ser sempre o que desejamos, mas é o bastante.

Nesse particular, pertence à ordem que o filho diga a seus pais: "Eu recebi muito. Sei que é muito, é o bastante. Eu o tomo com amor". Então ele se sente pleno e rico, seja qual for a situação. Então ele acrescenta: "o resto, eu mesmo faço". Isto também é um belo pensamento. Finalmente, o filho ainda pode dizer aos pais: "E agora eu os deixo em paz". O efeito destas frases vai muito fundo: agora o filho tem seus pais e os pais têm o filho. Pais e filho estão simultaneamente separados e felizes. Os pais concluíram sua obra e a criança está livre para viver sua vida, com respeito pelos seus pais mas sem dependência.

Imaginem agora a situação contrária, quando o filho diz aos pais: "O que vocês me deram foi errado e foi muito pouco. Vocês ainda estão me devendo muito". O que esse filho tem de seus pais? Nada. E o que têm dele os pais? Igualmente nada. Esse filho não consegue soltar-se de seus pais. Sua censura e sua reivindicação o vinculam a eles, mas de uma forma tal que ele não os tem. Ele se sente vazio, pequeno e fraco.

Esta seria a segunda lei do amor entre filhos e pais.

O tamanho de criança

Existe algo que os pais adquirem por mérito pessoal. Se a mãe, por exemplo, tem um dom especial - suponhamos que ela seja pintora e pinte quadros maravilhosos - então isso pertence a ela e não ao filho. Este não pode reivindicar ser também um bom pintor, a não ser que o tenha merecido por dotação própria e dedicação pessoal.

A mesma coisa vale para a riqueza dos pais. O filho não tem o direito de reivindicá-la, como é o caso da herança. O que ele vier a receber será puro presente.

Isto vale ainda para a culpa pessoal dos pais. Também esta pertence exclusivamente a eles. Com freqüência, uma criança presume, por amor, tomar sobre si essa culpa, carregá-la em nome dos pais. Também isto vai contra a ordem. A criança se arroga um direito que não lhe compete. Quando os filhos querem expiar pelos pais, estão se julgando superiores a eles. Os pais passam a ser tratados como crianças, cuidadas por seus próprios filhos, que assumem o papel de pais.

Uma senhora, que recentemente participou de um grupo meu, tinha um pai cego e uma mãe surda. Os dois se completavam bem, mas a filha achava que devia cuidar deles. Quando montei a constelação de sua família, ela se comportou como se fosse ela a pessoa grande. Porém sua mãe lhe disse: "Esse assunto com seu pai eu resolvo sozinha". E o pai lhe disse: "Esse assunto com sua mãe eu resolvo sozinho. Não precisamos de você para isso". Aquela senhora ficou muito desapontada, porque foi reduzida ao seu tamanho de criança.

Na noite seguinte, ela não conseguiu dormir. Aliás, ela sentia uma grande dificuldade para adormecer. Perguntou-me se eu podia ajudá-la. Respondi: "Quem não consegue dormir talvez esteja pensando que precisa vigiar". Contei-lhe então a história de Borchert sobre o menino de Berlim que, no fim da guerra, tomava conta de seu irmão morto, para que os ratos não o comessem. O menino estava esgotado, porque achava que devia ficar vigiando. Nisto, passou por ali um senhor simpático que lhe disse: "Mas os ratos dormem à noite". E a criança adormeceu.

Na noite seguinte, aquela senhora dormiu melhor.

Portanto, a ordem do amor entre filhos e pais estabelece, em terceiro lugar, que respeitemos o que pertence pessoalmente a nossos pais e o que eles podem e devem fazer sozinhos.

Receber e exigir

A ordem do amor entre pais e filhos envolve ainda um quarto elemento. Os pais são grandes, os filhos pequenos. Assim, o certo é que os pais dêem e os filhos recebam. Pelo fato de receber tanto, o filho sente a necessidade de pagar. Dificilmente suportamos quando recebemos algo sem dar algo em troca. Mas, em relação a nossos pais, nunca podemos compensar. Eles sempre nos dão muito mais do que podemos retribuir.

Alguns filhos querem escapar da pressão de retribuir e dos sentimentos de obrigação ou de culpa. Eles dizem então: "Prefiro nada receber, assim não sinto obrigação nem culpa". Esses filhos se fecham para seus pais e, nessa mesma medida, sentem-se pobres e vazios. Pertence à ordem do amor que os filhos digam: "Eu recebo tudo com amor". Assim, eles irradiam contentamento para os pais, e estes percebem a felicidade deles. Esta é uma forma de receber que é simultaneamente uma compensação, porque os pais se sentem respeitados por esse receber com amor. Eles dão, então, com um prazer ainda maior.

Quando, porém, os filhos dizem: "Vocês têm que me dar mais", o coração dos pais se fecha. Por causa da exigência do filho, eles não podem mais cumulá-lo de amor. Este é o efeito de tais reivindicações. Esse filho, por sua vez, mesmo quando recebe alguma coisa, não consegue tomar o que exigiu.

A equiparação

A verdadeira equiparação entre o dar e o tomar na família consiste em passar adiante o dom. Quando a criança diz: "Eu tomo tudo, e quando eu crescer, eu darei por minha vez", os pais ficam felizes. A criança, no seu dar, não olha para trás, mas para a frente. Os pais fizeram o mesmo. Eles receberam de seus pais e deram a seus filhos. Justamente pelo fato de terem recebido tanto, sentem-se pressionados a dar, e podem igualmente fazê-lo.

Até aqui, falei das ordens do amor entre filhos e pais.

O grupo familiar

Entretanto, nossa vinculação não se limita aos pais. Pertencemos também a um grupo familiar, a uma estirpe, um sistema maior. O grupo familiar se comporta como se fosse dirigido por uma instância comum e superior. Ele é comparável a um bando de pássaros em formação. De repente, todos mudam a direção do vôo, como se tivessem sido movidos por uma força superior comum.

No grupo familiar, essa instância superior atua quase como um comando (Gewissen) interior partilhado por todos, e que atua de modo amplamente inconsciente. Reconhecemos as ordens a que obedece pelos bons efeitos de sua observância e pelos maus efeitos de sua violação.

Quero citar, para começar, o círculo de pessoas que são abarcadas e dirigidas por esse comando interior (Gewissen), cuja amplitude podemos reconhecer por seus efeitos. Estão nele incluídos:

* Todos os filhos, inclusive os que morreram ou foram abortados;
* Os pais e todos os seus irmãos;
* Os avós;
* Eventualmente, algum bisavô ou até mesmo um antepassado ainda mais distante, principalmente se teve um destino mau.
* Incluem-se ainda pessoas sem relação de parentesco, a saber, aquelas de cuja morte ou infelicidade pessoas da família se beneficiaram, como são, por exemplo, antigos parceiros dos pais e dos avós.

O direito de pertencer

No interior de cada grupo familiar, vale a ordem básica, a lei fundamental: todas as pessoas do grupo familiar possuem o mesmo direito de pertencer. Em muitas famílias e grupo familiares, determinados membros são excluídos. Alguns dizem, por exemplo: "Esse tio não vale nada, ele não pertence a nós", ou então: "Dessa criança ilegítima nada queremos saber". Com isso, recusam a essas pessoas o direito de pertencer.

Existem também os que dizem: "Sou católico, você é evangélico. Como católico, tenho mais direito de pertencer que você". Ou inversamente: "Como protestante, tenho mais direito, porque minha fé é mais verdadeira. Você é menos crente do que eu, portanto tem menos direito de pertencer". Isto não é hoje tão freqüente como antigamente, mas ainda acontece.

Ocorre ainda, quando um filho morre prematuramente, que seus pais dão seu nome ao filho seguinte. Com isto, estão dizendo ao primeiro: "Você não pertence à família. Temos um substituto para você". Assim o filho morto não conserva nem mesmo o seu próprio nome. Com freqüência, não é mais contado nem mencionado. Assim lhe é negado e retirado o direito de pertencer.

O excesso de moral de alguns, que se sentem melhores e superiores a outros, na prática significa dizer-lhes: "Tenho mais direito de pertencer que você". Ou, quando alguém condena uma pessoa ou a considera má, praticamente está lhe dizendo: "Você tem menos direito de pertencer do que eu". "Bom" significa então: "Tenho mais direitos", e "mau" significa: "Você tem menos direitos".

Os excluídos são representados

Essa lei fundamental, que assegura a todos o mesmo direito de pertencer, não tolera nenhuma violação. Quando isso acontece, existe no sistema uma necessidade inconsciente de compensação, que faz com que os excluídos ou desprezados sejam mais tarde representados por algum outro membro da família, sem que essa pessoa tenha consciência do fato.

Quando, por exemplo, um homem casado se relaciona com outra mulher e diz à própria esposa: "Não quero mais saber de você", inventando falsas razõ es e cometendo injustiça contra ela, e depois se casa com a segunda mulher e tem filhos com ela, sua primeira mulher será representada por um desses filhos. Uma menina, por exemplo, combaterá o pai com o mesmo ódio da parceira rejeitada, sem que tenha a menor consciência dessa representação. Aqui atua uma força secreta de compensação, para que a injustiça feita à primeira pessoa seja vingada por uma segunda.

Muitos acontecimentos infelizes na família como, por exemplo, desvios de comportamento dos filhos, doenças, acidentes e suicídios acontecem pelo fato de que um filho inconscientemente representa um excluído e quer dar-lhe reconhecimento. Nisso se revela ainda uma outra propriedade da instância superior. Ela faz reinar justiça para com aqueles que vieram antes e injustiça para os que vêm depois.

A solução

A solução de um tal emaranhamento torna-se possível quando a ordem básica é restabelecida, isto é, quando os excluídos voltam a ser acolhidos e respeitados. Neste caso, por exemplo, a segunda mulher deveria dizer à primeira: "Eu tenho este homem às suas custas. Eu honro isto e reconheço que foi feita injustiça a você. Por favor, queira bem a mim e a meus filhos". Desta forma, a primeira mulher é respeitada. Nas constelações familiares, pode-se perceber então como se relaxa o rosto da primeira mulher, como ela se torna amigável pelo fato de ser respeitada. Com isso, é reconhecido o seu direito de pertencer.

A solução exige também que a menina, que imita essa mulher, lhe diga interiormente: "Eu pertenço apenas à minha mãe e ao meu pai. Aquilo que se passou entre vocês adultos não tem nada a ver comigo". Ela diz a seu pai: "Você é meu pai, e eu sou sua filha. Por favor, olhe-me como sua filha". Então o pai não precisa mais ver nela sua ex-mulher, não precisa mais defrontar-se com o ódio ou a tristeza que ela possa ter. Ou, se ele ainda a ama, não precisa ver a criança como sua amante, mas apenas como sua filha. Então a criança pode ser a filha, e o pai pode ser o pai.

A criança precisa também dizer ao pai: "Esta aqui é a minha mãe. Com sua primeira mulher não tenho nada a ver. Eu tomo esta como minha mãe. Esta é para mim a certa". E então ela precisa dizer à mãe: "Com a outra mulher eu nada tenho a ver". De outra forma, essa criança se tornará uma rival da mãe, e não poderá ser filha. Talvez a mãe veja nela inconscientemente a outra mulher, e então mãe e filha entram em conflito como se fossem duas amantes rivais. Mas quando a criança diz: "Você é minha mãe e eu sou sua filha, com a outra não tenho nada a ver. Eu tomo você como minha mãe", então a ordem é restabelecida.

Existem contudo emaranhamentos bem mais complicados. Quando, por exemplo, numa família, um filho morre prematuramente, os filhos sobreviventes carregam muitas vezes um sentimento de culpa pelo fato de estarem vivos, enquanto seu irmão está morto. Acreditam que, por estarem vivos, possuem uma vantagem sobre o irmão falecido. Então eles querem compensar isto, por exemplo, deixando-se ficar mal, adoecendo ou mesmo desejando morrer, sem que saibam por quê.

Aqui pertence à ordem do amor que eles digam interiormente ao irmão morto: "Você é meu irmão (minha irmã). Eu respeito você como meu irmão (minha irmã). Você tem um lugar em meu coração. Eu me curvo diante do seu destino, da forma como lhe aconteceu, e digo sim ao meu destino, da forma como me foi determinado". Então a criança morta é respeitada, e a outra pode permanecer viva sem sentimento de culpa.

A imagem mágica do mundo e suas conseqüências

Por trás da necessidade de compensação, que faz adoecer, atua uma fantasia mágica, a saber, que eu posso salvar uma outra pessoa de seu pesado destino, desde que eu tome também algo de pesado sobre mim. É o caso da criança que diz à mãe gravemente doente: "Antes eu adoeça do que você. Antes morra eu do que você". Ou ainda, quando a mãe quer abandonar a vida, um filho se suicida, para que a mãe possa ficar viva.

Um exemplo disto é a magreza compulsiva. O anoréxico vai se tornando cada vez menor, desaparece, por assim dizer, até a morte. Em sua alma, essa criança diz a seu pai ou a sua mãe: "Antes desapareça eu do que você". Aqui atua um amor profundo. Mas quando a criança morre, qual é o efeito desse amor? Ele é totalmente inútil.

Quando trabalho com uma pessoa com essa compulsão, faço que olhe nos olhos de seu pai ou de sua mãe e diga: "Antes desapareça eu do que você". Quando ela os encara nos olhos a ponto de realmente os ver, ela não consegue mais dizer essa frase, porque percebe que o pai ou a mãe não aceitará isto dela. É que o amor mágico desconhece o fato de que também a outra pessoa ama e que ela recusaria isto, independentemente da inutilidade de tal amor.

Quando a mãe morre no nascimento de uma criança, é muito difícil para essa criança tomar a sua vida. Ela precisaria encarar a mãe nos olhos e dizer: "Mamãe, mesmo por este alto custo eu tomo esta vida e faço algo de bom com ela, em sua memória. Você precisa saber que não foi em vão". Isto é amor, num nível mais elevado. Ele exige o abandono da fantasia mágica de poder interferir no destino de outra pessoa e mudá-lo. Ele exige a passagem de um amor que faz adoecer para um amor que cura.

A fantasia do amor mágico está associada a uma presunção, a um sentimento de poder e superioridade. A criança realmente acha que, através de sua doença e de sua morte, pode salvar da morte outra pessoa. Renunciar a essa idéia só é possível pela humildade.

Até aqui falei da ordem do amor na relação entre filhos e pais.

Homens e Mulheres

Quero também dizer mais alguma coisa sobre a ordem do amor na relação do casal. Este tema nos fala mais de perto. Muitos se envergonham disso, como se fosse algo que a gente deveria ocultar. Aquilo que diferencia os homens das mulheres, que realmente os diferencia, é escondido. Ou, pode-se dizer também, é protegido. Pois é o lugar onde cada um é mais vulnerável. É o lugar próprio da vergonha. Vergonha significa, neste contexto, que eu guardo alguma coisa, para que nada de mau aconteça. E é o lugar onde nos sentimos mais entregues.

Alguns falam depreciativamente do instinto sexual e esquecem que ele é a força real e mais profunda, que tudo mantém unido e dirige, que toma cada pessoa a seu serviço, sem que ela possa se defender. Pela pura razão, ninguém se casaria ou teria filhos. Só esse instinto consegue isso. É através dele que estamos em sintonia mais profunda com a alma do mundo. Esse instinto é o que existe de mais espiritual. Todo entendimento e toda consideração racional empalidecem diante da força que atua por detrás desse instinto.

A ordem do amor entre homem e mulher exige portanto, em primeiro lugar, que o homem admita que lhe falta a mulher, e que ele, por si só, jamais poderá alcançar o que uma mulher tem. E exige igualmente que a mulher admita que lhe falta o homem, e que ela, por si só, jamais poderá alcançar o que o homem tem. Então ambos se experimentam como incompletos e admitem isto.

Quando o homem admite que precisa da mulher e que só através dela se torna um homem, e quando a mulher admite que precisa do homem e só através dele se torna uma mulher, então essa carência os liga um ao outro, justamente pelo fato de a admitirem. Então o homem recebe o feminino como presente da mulher, e a mulher recebe o masculino como presente do homem.

Imaginem agora um homem que desenvolve em si o feminino e uma mulher que desenvolve em si o masculino, como muitos consideram ideal. Se esse homem quiser se ligar a essa mulher, qual será a profundidade dessa relação? No fundo, eles não precisam um do outro. Inversamente, quando o homem renuncia ao feminino e a mulher ao masculino, então eles precisam um do outro e isto os mantém juntos.

O vínculo

Quando o homem e a mulher se aceitam mutuamente como tais, a consumação de seu amor cria um vínculo. Esse vinculo é indissolúvel. Isto nada tem a ver com a doutrina moral da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio. A realização do amor cria uma ligação, independentemente do casamento e de qualquer rito externo.

A existência de uma tal ligação é percebida pelos seus efeitos. Por exemplo, o homem que se separa levianamente de uma parceira a quem estava vinculado dessa forma pela consumação do amor, via de regra não conseguirá conservar uma segunda parceira num outro relacionamento. Pois esta percebe o seu vínculo com a parceira anterior, e não ousa tomá-lo plenamente. Quando um homem abandona uma mulher e se casa de novo, talvez sua segunda mulher se considere melhor que a primeira e diga: "Agora eu o tenho para mim". Ela entretanto o perderá. Nesse próprio triunfo o perde, pois reconhece o vínculo desse homem com a sua primeira mulher.

Então ela não o assumirá completamente. Nas constelações familiares, pode-se perceber que uma segunda mulher se distancia um pouco do homem. Ela não ousa colocar-se perto dele, pelo fato de não ser sua primeira ligação, mas a segunda.

A profundidade de um tal vínculo pode ser avaliada pelo seu efeito. A separação do primeiro amor é a mais difícil de se conseguir. É a mais dolorosa. Quando uma segunda ligação se desfaz, a dor é menor. Numa terceira, é ainda menor.

Essa ligação não é porém sinônimo de amor. O amor pode ser pequeno e o vínculo profundo. Inversamente, o amor pode ser profundo e a ligação pequena. O vínculo se origina do ato sexual. Por isto, ele também nasce de um incesto ou de um estupro. Para que mais tarde uma nova ligação seja possível, é preciso que a primeira seja corretamente resolvida. Ela é resolvida quando é reconhecida e quando é honrado o respectivo parceiro. Quem amaldiçoa o primeiro vínculo impede uma ligação ulterior.

A ordem de precedência

O fruto do amor entre o homem e a mulher são os filhos. Também aqui é importante observar uma ordem do amor, uma ordem de precedência no amor. Ela se orienta pelo começo. Isto significa que o que vem antes tem, via de regra, precedência sobre o que vem depois. Numa família, existe primeiro o casal homem-mulher. Seu amor funda a família. Por isso, seu amor como homem e mulher tem precedência sobre tudo o que vem depois, portanto, sobre seu amor de pais por seus filhos. Muitas vezes acontece nas famílias que os filhos atraem sobre si toda a atenção. Então os pais não são antes de tudo um casal, mas pais. Com isto os filhos não se sentem bem.

Quando a relação do casal tem prioridade, o pai diz a seu filho: "Em você, eu respeito e amo também a sua mãe". E a mãe diz ao filho: "Em você, eu respeito e amo também o seu pai". E a mulher diz ao homem: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". E o homem diz à mulher: "Em nossos filhos, eu respeito e amo a você". Então o amor dos pais é a continuação do amor do casal. Este tem a prioridade. Os filhos então se sentem muito bem.

Várias famílias são segundas e terceiras famílias, quando o homem e a mulher já eram casados anteriormente e trouxeram filhos do matrimônio anterior. Como é então a ordem de precedência?

Eles são primeiramente pai e mãe de seus próprios filhos, e só depois disso constituem um casal. Por conseguinte, seu amor como casal não pode continuar nos filhos, pois já foram pais anteriormente. Então, o novo parceiro deve reconhecer que o outro é, em primeiro lugar, pai ou mãe dos próprios filhos, e que seu maior amor e sua maior força fluem para eles e, neles, naturalmente, também para o parceiro anterior. Só então seu amor e sua força fluem para o novo parceiro. Quando ambos os parceiros reconhecem isto, seu amor pode ser bem sucedido. Quando, porém, um parceiro diz ao outro: "Eu tenho prioridade em seu amor, e só então vêm seus filhos", a relação fica em perigo. Essa situação não se mantém por longo tempo.

Se eles mais tarde têm filhos em comum, então são, em primeiro lugar, pai e mãe dos filhos do primeiro casamento; em segundo lugar, são um casal e, em terceiro lugar, são pais de seus filhos comuns. Esta seria a ordem, neste caso. Quando se sabe disto, pode-se resolver ou evitar conflitos em muitas famílias.

Falei até aqui sobre algumas ordens do amor na relação entre o homem e a mulher. Para terminar, contarei a vocês uma história sobre o amor. Ela é assim:

Dois modos de ser feliz

Antigamente, quando os deuses ainda pareciam bem próximos dos homens, viviam numa pequena cidade dois cantores que se chamavam Orfeu.

Um deles era o grande. Tinha inventado a cítara, um tipo primitivo de guitarra. Quando tocava o instrumento e cantava, toda a natureza ficava enfeitiçada em torno dele. Animais ferozes se deitavam mansamente a seus pés, árvores altas se inclinavam para ele: nada podia resistir a seus cantos. Pelo fato de ser tão grande, ele conquistou a mais bela mulher. E aí começou a descida.

Enquanto ele ainda festejava o casamento, morreu a bela Eurídice, e a taça cheia, que ele erguia nas mãos, se partiu. Contudo, para o grande Orfeu, a morte ainda não foi o fim. Com a ajuda de sua arte requintada, encontrou a entrada para o mundo subterrâneo, desceu ao reino das sombras, atravessou o rio do esquecimento, passou pelo cão dos infernos, chegou vivo diante do trono do deus da morte e o comoveu com seu canto.

A morte liberou Eurídice -- porém sob uma condição, e Orfeu estava tão feliz que não percebeu o que se escondia por trás desse favor. Orfeu pôs-se a caminho de volta, ouvindo atrás de si os passos da mulher amada. Passaram ilesos pelo cão de guarda do inferno, atravessaram o rio do esquecimento, começaram o caminho para a luz, que já viam de longe. Então Orfeu ouviu um grito - Eurídice tinha tropeçado - horrorizado, ele se voltou, viu ainda a sombra dela caindo na noite e ficou sozinho. Esmagado pela dor, ele cantou sua canção de despedida: "Ai de mim, eu a perdi, toda a minha felicidade se foi!"

Ele próprio voltou à luz. Entretanto, no reino dos mortos, passara a estranhar a vida. Quando mulheres ébrias quiseram levá-lo à festa do novo vinho, ele se recusou, e elas o despedaçaram vivo.

Tão grande foi sua desgraça, tão inútil foi sua arte. Entretanto, todo o mundo o conhece.

O outro Orfeu era o pequeno. Era apenas um cantor de rua, aparecia em pequenas festas, tocava para gente humilde, alegrava um pouco e curtia isso. Como não conseguia viver de sua arte, aprendeu um ofício comum, casou-se com uma mulher comum, teve filhos comuns, pecou eventualmente, foi feliz de modo comum, morreu velho e satisfeito da vida.

Entretanto, ninguém o conhece - exceto eu!

Bert Hellinger

Palestra em Kyoto

Palestra em Kyoto – As constelações familiares e a consciência coletiva

Bert Hellinger

Pronunciamentos de Bert Hellinger em Outubro de 2001 num workshop de Kyoto – Japão. (Bert Hellinger estava acompanhado por Harald Hohnen)

A consciência oculta
As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente
A Consciência coletiva esquecida
A vinculação pelo sexo
A noite escura da alma
A atitude terapêutica

Eu quero dizer algo sobre este tipo de trabalho. É conhecido como constelação familiar. A constelação familiar é um método que visto de fora parece muito simples. Se um cliente tem um problema, é então solicitado a selecionar representantes para membros de sua família e colocá-los uns em relação aos outros. Tão logo isto é feito, os representantes sentem-se como as pessoas que estão representando, mesmo sem saber nada sobre elas. Isto é um fenômeno muito estranho. Se nós o tomamos seriamente, nós temos que dizer adeus a muitas de nossas noções sobre a alma humana.

Eu quero explicar agora algo sobre o que está por trás de importantes insights que vem à luz através deste método.

A consciência oculta

Durante um período de anos eu tenho visto que somos guiados por uma consciência coletiva oculta (inconsciente). Isto significa que os membros de uma família estão sob a influência de uma consciência que é comum a todos eles. Esta consciência é oculta, inconsciente. Eu tenho pensado muito sobre a origem de tal tipo de consciência. Eu imagino que no começo da raça humana, havia grupos pequenos de pessoas, eles viviam em grupos de 20-30 pessoas. Eles todos agiam de um certo modo. Eles TINHAM que agir do mesmo modo para sobreviver. Deste modo, os membros individuais deste grupo , todos eles, olhavam (zelavam) pelo benefício do grupo como um todo. Eles não poderiam manter desejos pessoais que fossem contra o benefício do grupo como um todo. E, de fato, neste grupo, cada membro era importante. Eles não podiam se dar ao luxo de perder um de seus membros. E ninguém podia deixar o grupo sem ficar em perigo de morrer rapidamente.

Assim, houve uma experiência básica na qual todos pertenciam juntos e um dependia do outro. Eles não precisavam pensar sobre o que era certo para eles. Havia uma força oculta que os movia nesta direção. Se eles não devotassem toda a energia para o benefício do grupo, se sentiam mal, se sentiam culpados. Este sentimento os motivava para mudar seu comportamento de modo que eles pudessem novamente devotar toda sua energia para o benefício do grupo como um todo.

As diferenças culturais entre o ocidente e o oriente

Agora compare isto a como nós nos comportamos na cultura ocidental – o povo japonês é também afetado de certa forma por esta cultura – onde um indivíduo pode dizer: “ Eu venho primeiro, meu desenvolvimento pessoal vem primeiro”. Como a Constituição americana coloca : “ Cada pessoa tem o direito de ser feliz, todos tem o direito de serem pessoalmente felizes”. Vocês vêem a diferença? Neste grupo original, todos pertenciam igualmente e esta alma comum que os unia zelava para que nenhum dos membros fosse perdido. E ela zelava para que todos os membros estivesse servindo ao grupo como um todo.

Dentro deste grupo havia um outro tipo de lei ou ordem operando. Esta lei dava a cada membro seu próprio lugar dentro do grupo. Havia uma hierarquia dentro deste grupo que se opõe à noção democrática que nós temos dos grupos, usualmente. Neste grupo aqueles que chegaram primeiro tinham o mais alto nível (hierárquico) e aqueles que vieram depois o nível mais baixo. Assim a hierarquia dava a cada membro um lugar de acordo com o tempo que ele ou ela entrou no grupo. Deste modo não havia conflito acerca do lugar próprio de alguém. Todos sabiam seu lugar certo. Mas aqueles que tinham vindo depois progrediam com o passar do tempo atingiam uma posição superior na hierarquia. A criança caçula, por exemplo, tinha o lugar mais baixo, mas quando ela crescesse e se tornasse velha, alcançaria um lugar mais alto afinal. Assim as posições não eram fixas, elas tinham um certo desenvolvimento. Por meio destas duas leis, estes grupos poderiam sobreviver enquanto estivessem entre si.

Mas o que aconteceu quando eles encontraram outros grupos? Subitamente eles tinha de diferenciar entre eles e os outros grupos. Então eles tiveram a noção: “Nós somos melhores e os outros não são tão bons.” Assim, enquanto antes havia uma igualdade entre os membros e onde tais divisões ou diferenciações não tinham lugar, tais diferenciações foram agora introduzidas.

Após algum tempo, os membros de um mesmo grupo começaram a fazer tais diferenciações. Eles disseram, “ Eu sou mais importante que outro membro, eu tenho um maior direito de pertencer a este grupo do que ele.” Então eles seguiram uma outra consciência que surgia, uma consciência pessoal em oposição àquela consciência coletiva que dirigia o grupo antes. De fato, este é um importante passo para a frente no desenvolvimento humano, sem dúvida. O indivíduo aprendeu a ver a diferença entre si e os outros. Então começou entre os membros do grupo um conflito ou uma competição pelo lugar mais alto na hierarquia. Este desenvolvimento alcançou o seu pico quando as pessoas vieram a entender sua consciência pessoal como a voz de DEUS em suas almas. Assim, quando elas fizeram algo contra o grupo, elas fizeram isto de boa consciência porque elas diziam que sua ação pessoal tinha a aprovação divina.

Agora, porque eu disse tudo isto aqui? O que isto tem a ver com as constelações familiares?

A Consciência coletiva esquecida

Por causa do correr do tempo, as regras da consciência coletiva foram esquecidas. Elas foram negadas, na verdade suprimidas. Mas a consciência coletiva, embora inconsciente, ainda está atuante. E porque ela está ainda atuante? Ela vai contra aquilo que as pessoas querem , desejam ou acham que seja certo. Deste modo, quando alguém age de boa consciência e pensa que aquilo que quer é bom, tais ações freqüentemente resultam em falha.

E o que é pior, agindo contra as regras da consciência coletiva , as pessoas podem vir a ficar doentes ou ter acidentes sérios ou se tornarem criminosas ou propensas ao suicídio. Como isto atua, vem à luz através das constelações familiares. Deste modo nós podemos entender as constelações familiares somente se nós sabemos algo acerca deste “pano de fundo”.

De fato, as constelações familiares não apenas trazem à luz estes emaranhamentos, elas também mostram um modo de como resolvê-los. E este é o motivo pelo qual elas tem seu efeito curativo e reconciliador.

Isto foi uma introdução difícil e longa e eu espero agora que vocês estejam prontos para que trabalhemos.

A vinculação pelo sexo

Eu devo dizer agora algo sobre este vínculo. Se há um intercurso sexual entre um casal adulto e ele é sem reservas, uma ligação é estabelecida entre ambos. Eu uso o termo “sem reservas” para incluir muitas coisas e não desejo ser muito específico. Esta ligação dura uma vida e após ela se estabelecer o casal não pode mais se comportar como se não tivesse acontecido nada. A profundidade do vínculo pode ser vista quando há uma separação. Após tal vínculo eles não podem se separar facilmente. Eles só podem se separar com dor e sentimentos de culpa. Se eles se separam e encontram outro(a) parceiro(a) com o(a) qual tem um intercurso sexual também um novo vínculo se estabelece. Mas este novo vínculo é menos intenso que o primeiro. Quando eles se separam a dor e os sentimentos de culpa são menores que antes. Após o terceiro é ainda menor. E assim prossegue. Após algum tempo eles são incapazes de estabelecer uma parceria estável e permanecerão solteiros. Isto pode servir a um propósito especial em relação à evolução talvez. De minha parte não há nenhum julgamento a respeito disto. Com relação ao incesto, abuso sexual e estupro, nós temos que saber que um vínculo também é estabelecido. Mas eu volto ainda para a relação de casal. Se houve um relacionamento e ele foi rompido e os parceiros tomam nova relação com pessoas diferentes, o parceiro anterior será representado na próxima relação por uma criança, a menos que a separação tenha acontecido com amor. Então a segunda relação pode ter sucesso. O mesmo se aplica ao incesto, estupro e caso de abuso sexual. A menos que o vínculo criado seja reconhecido e haja uma separação com respeito e amor os relacionamentos posteriores serão difíceis.

Com relação ao estupro, isto pode parecer muito estranho. Mas as constelações familiares mostram uma imagem diferente (da habitual). Houve uma vez uma mulher que colocou sua família. Ela havia me dito que tinha dificuldades sexuais. Eu disse que não desejava lidar com isto em público. Mas quando ela posicionou a família eu perguntei: “Houve algo especial?” Ela me disse então: “Eu fui estuprada 6 vezes.” Deste modo eu selecionei seis homens e os coloquei lá, lado a lado. Então a representante daquela mulher se posicionou em frente de cada um deles e se curvou, reverenciando-os, uns com mais profundidade que os outros. No final, ela se colocou ao lado do último. E disse então: “Este é o meu lugar”. Muito estranho! Isto vai contra o nosso pensamento moral. Mas as constelações familiares mostram um quadro diferente.

Agora, quanto ao incesto. Se vocês são confrontados com casos de incesto, uma dinâmica muito comum é que a esposa se retira do marido e lhe recusa uma relação sexual. Então, como um tipo de compensação, uma filha toma seu lugar.

Isto é um movimento inconsciente, não é consciente. Mas você vê, com o incesto há dois agressores, um oculto e outro às claras. Não se pode resolver isto a menos que o agressor oculto venha à luz. Há então sentenças muito estranhas que vêm à luz. A filha pode dizer a sua mãe “Eu faço isto por você.” E ela pode dizer ao pai “Eu faço isso pela mamãe”. Qual é o efeito dessas sentenças? O incesto não pode mais continuar. Se você quer pará-lo, este é o melhor modo, sem qualquer acusação.

Se você levar o agressor à justiça, então a vítima expiará o que for feito ao agressor. Eu dou um exemplo. Em um grupo, um assistente social relatou um caso de abuso e incesto e ele disse que levaria os agressores à corte. Eu o adverti que isto poderia ser perigoso para a menina. Mas ele se sentiu no direito de levá-los à justiça. Então, depois eu o encontrei e perguntei a ele como estava indo a menina. Ele me disse: “Ela sempre está querendo pular pela janela”. Este é o resultado da ação justiceira dele.

Para o cliente: E isto também é importante para você.

A noite escura da alma

Eu quero dizer algo sobre a noite escura da alma. Este é um conceito da tradição mística da Europa. Mas ele é muito próximo do pensamento asiático também. Ele significa que eu me refreio de investigar , eu me refreio de qualquer curiosidade. E qual é o efeito disto? Paz para todos os envolvidos. Eu fico em paz. Eu não estou sobrecarregado pelos problemas alheios. E os demais não são mais perturbados por mim. Eu não interfiro de forma alguma nos movimentos de sua alma. Nós ambos podemos então respeitar-nos mutuamente. Se eu agora me entregasse À curiosidade, eu perderia o respeito do outro. E ele sentiria que eu não o respeito. Assim, este é um bom procedimento. Na verdade é um não-procedimento. Eu não faço nada. E ainda assim, pelo não fazer nada, eu faço muito.

A atitude terapêutica

Eu quero dizer algo sobre a atitude terapêutica. Ontem, eu trabalhei com ela e eu sabia das conseqüências, é claro.

Mas eu não interfiro. Eu só parei e esqueci dela. Eu não cuidei mais, não no sentido de que eu não me preocupei mais . Ontem eu trabalhei com ela ( e apontou outra mulher), eu parei e esqueci-a.Eu não fiquei preocupado, porque eu confio – alguma coisa acontecerá. Há forças maiores operando aqui. Nesta manhã esta outra mulher veio aqui e estava pronta para mais um pouco de trabalho. Eu trabalhei com ela e não achei uma solução – superficialmente nós não achamos uma solução – e eu parei. Após um tempo ela parecia feliz. Eu não sabia porque, eu não perguntei também. Para mim aquilo estava terminado. Não é mais meu assunto e não é mais da minha conta.

Agora ela veio por si mesma, porque a interrupção de ontem liberou algo em sua alma. Ela veio aqui e eu confrontei-a com suas conseqüências. Quantos de vocês ficaram chocados com o que eu disse a ela? Aquilo foi chocante. Mas foi verdade. É a verdade e não se pode brincar com ela. Aquilo é o que acontece se alguém deseja a morte de sua mãe.

Então eu tentei algo mais e não achei solução. Eu estava preparado para parar sem fazer mais nada. Eu não me preocupei. Então Harald me apontou algo. OK, havia uma outra oportunidade. Eu tomei-a e nós achamos uma solução. Agora, quem achou a solução? A grande alma achou a solução. A grande alma me dirigiu e a ele, a ela e ao grupo como um todo.

Estas mulheres aqui na constelação , elas foram boas? Elas foram inteligentes? Elas foram competentes? Não , elas foram guiadas por algo que veio de muito além delas mesmas. Elas apenas e permitiram serem movidas. Isto é o porque de nós termos achado uma solução. Mas não houveram bons terapeutas aqui, nem mesmo Harald foi um bom terapeuta, nem eu fui um bom terapeuta. Nós estivemos em sintonia com algo maior. E esta é nossa grandeza. Você vê quanta confiança é exigida para trabalhar desta forma? Quão cuidados nós temos que ser todo o tempo para que nada interfira (como nossas idéias ou intenções) neste trabalho?

Se você tem esta atitude sem nenhum medo e sem nenhuma intenção pessoal e só se permite ser guiado por algo maior, então você pode fazer este trabalho. Porque não é mais você , é algo além de você e de mim.

Tradução do inglês para o português com permissão expressa de Bert Hellinger por Décio Fábio de Oliveira Júnior.

domingo, 11 de março de 2012

Estrutura Oral

Cria-se o caráter oral quando o desenvolvimento normal é interrompido na fase oral do crescimento. A causa disso é o abandono. Na infância, a pessoa perdeu a mãe, pela morte, pela doença ou pelo afastamento. A mãe deu-se para filho, mas não se deu o suficiente. Muitas vezes ela fingiu dar-se – ou deu-se a despeito de si mesma. A criança compensou essa perda tornando-se independente demasiado cedo, muitas vezes falando e andando muito precocemente. Destarte, sente-se confusa no que respeita à receptividade e receia pedir o que realmente necessita porque, bem no fundo de si mesma, tem a certeza de não lhe será dado. Seus sentimentos em relação à necessidade de que alguém tome conta dela redundam em dependência, tendência para apegar-se, agarramento e redução da agressividade. Ela compensa tudo isso com um comportamento independente, que desmorona debaixo de pressão. Sua receptividade converte-se, então em passividade rancorosa, e a agressão se transforma em cobiça.
A pessoa com estrutura oral, basicamente destituída, sente-se vazia e oca e não quer assumir responsabilidade. O corpo, pouco desenvolvido, ostenta músculos longos, finos, flácidos e cai de fraqueza. A pessoa não parece adulta e amadurecida, tem o peito frio e deprimido, a respiração pouco profunda, e seus olhos sugam a energia de quem estiver perto dela. Psicodinamicamente, sua personalidade se agarra e aferra a outros, com medo de ser abandonada. Incapaz de ficar sozinha experimenta uma necessidade exagerada de calor e apoio alheios. Tenta consegui-lo de fora, a fim de compensar a tremenda sensação de vazio interior. Abafa seus sentimentos intensos de anseio e agressão. A fúria causada pelo abandono é contida. Utiliza a sexualidade para obter intimidade e contato.
A pessoa oral experimentou muitas decepções na vida, muitas rejeições nas tentativas de agarrar alguma coisa. Por essa maneira, torna-se amarga e acha que nada do que consegue é suficiente. Não pode ser fatisfeita porque tenta satisfazer um anseio interior, que ela mesma nega ao tentar compensa-lo com outra coisa qualquer.
No nível da personalidade, exige que a alimentem e satisfaçam. Na interação com os outros, falará por meio de perguntas indiretas, que evocarão proteção da outra pessoa. Mas isso não a satisfaz, porque ela é adulta e não criança.
Ao iniciar a terapia, queixar-se-á de passividade e fadiga. No trabalho terapêutico, o problema consistirá em encontrar alimentação em sua vida. Mas para satisfazer às suas necessidades, acredita que precisará arriscar o abandono de outra pessoa ou simulação do abandono. Desse modo, sua intenção negativa será: “farei que você me dê isso” ou “não precisarei disso”. O que por seu turno, gerará o dilema; “Se eu pedir, não será amor; se eu não pedir, não conseguirei”. Para resolver o problema, ela terá de descobrir e confessar suas necessidades e aprender a viver a vida de maneira que suas necessidades sejam satisfeitas. Ela precisa aprender a manter-se de pé.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A estrutura Esquizóide

À primeira estrutura de caráter dá-se o nome de estrutura esquizóide. Nesse caso, a primeira experiência traumática registrou-se antes do nascimento ou por ocasião dele, ou ainda nos primeiros dias de vida. O trauma costuma centrar-se ao redor de alguma hostilidade recebida diretamente de um pai, como a raiva de um dos pais, o pai que não deseja o filho, ou ainda o trauma durante o processo de nascimento – como a mãe que se desliga emocionalmente do filho, fazendo-o sentir-se abandonado. A série de eventos dessa natureza é grande; um ligeiro desligamento entre mãe e filho pode ser muito traumático para o filho, e pode não surtir efeito nenhum sobre outro. Isso se relaciona com a natureza da alma que chega e com a tarefa que ela escolheu para si nesta vida.
A defesa energética natural empregada contra o trauma nesta vida consiste simplesmente em retroceder para o mundo do espírito, do qual a alma esta chegando. A defesa é desenvolvida e usada por este tipo de estrutura de caráter, até se tornar muito fácil, recuando a pessoa simplesmente para algum lugar distante, dentro do mundo do espírito. Essa defesa torna-se habitual, e a pessoa a utiliza em qualquer situação em que se sinta ameaçada. Para compensar a defesa representada pela fuga, ela procura manter-se coesa no nível da personalidade. Sua falha básica é o medo – medo de não ter o direito de existir. Na interação com outros, sejam esses outros o terapeuta ou amigos, ela falará numa linguagem despersonalizada, em termos absolutos, e tenderá a intelectualizar-se, o que só corrobora a experiência de estar separada da vida e a de não existir verdadeiramente.
Pessoas com caracteres esquizóides deixam seus corpos com facilidade e fazem-no até regularmente. No nível do corpo, o resultado é um corpo que parece uma combinação de peças, não firmemente unidas nem integradas. Altas e magras de ordinário, essas pessoas em alguns casos, têm corpos pesados. A tensão do corpo tende a fazer sentir-se em anéis ao redor do corpo. As juntas geralmente são fracas e o corpo descoordenado, com mãos e pés frios. A pessoa, usualmente hiperativa, é destituída de base. A obstrução maior de energia dá-se no pescoço, perto da base do crânio, muitas vezes se nota uma torcedura na espinha, causada por uma torcedura habitual que a afasta da realidade material na medida em que a pessoa voa para fora do corpo. O corpo tem pulsos, tornozelos e panturrilhas fracos e magros e, por via de regra, não está ligado ao chão. Um dos ombros pode ser maior do que o outro. A cabeça, muitas vezes, mantém-se inclinada de um lado, com uma expressão vaga no olhar, como se a pessoa estivesse, parcialmente, em outro lugar. Como bebê, o caráter esquizóide sentiu a hostilidade direta pelo menos de um dos pais, dos quais dependia a sua sobrevivência. Essa experiência deu inicio ao seu terror existencial, o terror do aniquilamento.
O caráter esquizóide encontra liberação do terror do aniquilamento quando, adulto, compreende que esse terror está agora mais relacionado com sua fúria interior do que com qualquer coisa. A fúria provém do fato de que ele continua a experimentar o mundo como um lugar muito frio, hostil, em que o isolamento é imposto a quem deseja sobreviver.
Debaixo dessa fúria está a grande dor de saber que a pessoa de uma ligação afetuasa e nutritiva com outros humanos; em muitos casos, porém, ela não foi capaz de criá-la em sua vida.
O que a aterroriza é que sua própria fúria a faça explodir em pedaços, que se espalharão pelo universo. O segredo para ela é enfrentar a fúria aos pouquinhos, sem precisar voar para longe a fim de defender-se. Se puder permanecer firme e deixar que o terror e a fúria se vão, libertará a dor interior e o anseio por ligar-se a outros e preparar um lugar para ingresso do amor a si mesma, que demanda prática. Todos nós precisamos dele, seja qual for a combinação de estruturas de caráter que sejamos. O amor a nós mesmos provém do fato de vivermos de maneira que não nos traiam. Vem do vivermos de acordo com a nossa verdade interior, seja ela qual for. Vem do não nos trairmos.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Estrutura de caráter

Estrutura de caráter é uma expressão que inúmeros psicoterapeutas do corpo utilizam para descrever tipos físicos e psicológicos de pessoas. Depois de muita observação e estudo, Wilhelm Reich chegou à conclusão de que a maioria das pessoas que ele tratou poderia ser incluída em cinco categorias maiores. Reich descobriu que as pessoas com experiências de infância semelhantes e relações entre pais e filhos também semelhantes tinham corpos semelhantes.
Também descobriu que as pessoas com corpos semelhantes tinham uma dinâmica psicológica básica semelhante. Essa dinâmica dependia não só dos tipos de relações entre pais e filhos, mas também da idade em que a criança experimenta a vida, pela primeira vez, tão traumaticamente que começa a obstruir os sentimentos, e por conseguinte, o fluxo de energia e a desenvolver o sistema de defesa que se lhe tornará habitual. Um trauma experimentado no útero será energeticamente bloqueado ou defendido de maneira muito diferente de um trauma experimentado na fase oral do crescimento, no treinamento para vestir-se ou no período de latência. Isso é natural, porque o individuo e o seu campo é muito diferente nos diferentes estágios da vida.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Repressão Sexual

Outro obstáculo ao crescimento é a repressão social e cultural dos instintos naturais e da sexualidade do indivíduo. Reich sentia que esta era a maior fonte de neuroses e que ela ocorre durante as três principais fases da vida, ou seja, durante a primeira infância, puberdade e idade adulta.
Os bebês e as crianças pequenas são confrontados com uma atmosfera familiar neurótica, autoritária e repressora do ponto de vista sexual. Em relação a este período de vida, Reich basicamente reafirma as observações de Freud a respeito dos efeitos negativos das exigências dos pais, relativas ao treinamento da toalete, às auto-restrições e ao bom comportamento por parte das crianças pequenas.
Durante a puberdade, os jovens são impedidos de atingir uma vida sexual real e a masturbação é proibida. Talvez até mais importantes que isto, a sociedade em geral torna impossível, aos adolescentes, lograr uma vida de trabalho significativa. Por causa deste estilo de vida antinatural, torna-se especialmente difícil aos adolescentes ultrapassar sua ligação infantil com os pais.
Por fim, na idade adulta, a maioria das pessoas se vê envolvida na armadilha de um casamento compulsivo, para o qual estão sexualmente despreparadas. Reich também salienta que os casamentos desmoronam em conseqüência das discrepâncias sempre intensificadas entre as necessidades sexuais e as condições econômicas. As necessidades sexuais podem ser satisfeitas com um e o mesmo companheiro durante algum tempo. Também o vínculo econômico, a exigência moralista e o hábito humano favorecem a permanência da relação matrimonial. Isso acaba resultando na infelicidade do casamento. A situação familiar que se desenvolve segue de forma a recriar a mesma atmosfera neurótica para a próxima geração de crianças.
Reich sentia que indivíduos criados numa atmosfera que nega a vida e o sexo desenvolvem um medo do prazer, o qual é representado por sua Couraça Muscular. Essa Couraça do Caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo da responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neurótica, assim como de uma condescendência patológica.
Reich não era otimista demais no que dizia respeito aos possíveis efeitos de suas descobertas. Ele acreditava que a maioria das pessoas, por causa de sua intensa couraça, seria incapaz de compreender suas teorias e distorceria suas idéias. Para ele, um ensino sobre a vida, dirigido e distorcido por indivíduos encouraçados, irá acarretar um desastre final a toda a humanidade e às suas instituições. O resultado mais provável do princípio da potência orgástica será uma perniciosa filosofia de bolso, espalhada por todos os cantos. Tal como uma flexa que, ao desprender-se do arco, salta firmemente retesada, a procura de um prazer genital rápido, fácil e deletério devastará a comunidade humana.
A couraça serve para nos desligar de nossa natureza interna e também da miséria social que nos circunda. Natureza e cultura, instinto e moralidade, sexualidade e realização são elementos que se tornam incompatíveis. A unidade e congruência de cultura e natureza, trabalho e amor, moralidade e sexualidade, unidade esta desejada desde tempos imemoriais, continuará a ser um sonho enquanto o homem continuar a condenar a exigência biológica de satisfação sexual natural (orgástica). A democracia verdadeira e a liberdade baseada na consciência e responsabilidade estão também condenadas a permanecer como uma ilusão até que esta evidência seja satisfeita.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Obstáculos ao Crescimento

A Couraça é o maior obstáculo ao crescimento segundo Reich. O indivíduo encouraçado seria incapaz de dissolver sua couraça e, portanto, seria incapaz de expressar as emoções biológicas primitivas. Ele conhece a sensação de agrado, mas não aquela de prazer orgônico. Ele não pode emitir um suspiro de prazer e, se tentar, irá produzir um gemido, um berro reprimido ou um impulso para vomitar. Ele é incapaz de deixar sair um grito de raiva ou imitar um punho atingindo o colchão com raiva.
Reich sentiu que o processo de encouraçamento havia criado duas tradições intelectuais distorcidas, as quais formaram a base da civilização: a religião mística e a ciência mecanicista. Os mecanicistas são tão bem encouraçados que não têm idéia real de seus próprios processos de vida ou de sua natureza interna. Eles têm um medo básico de emoções profundas, vivacidade e espontaneidade. Eles tendem a desenvolver um conceito rígido e mecânico da natureza e estão primariamente interessados nos objetos externos e nas ciências naturais.
Comentando sua idéia, achava que pelo fato de uma máquina ter que ser perfeita, por conseguinte, o pensamento e as ações do homem da ciência também teriam que ser perfeitos. Perfeccionismo é uma característica essencial do pensamento mecanicista. Ele não tolera erros e incertezas, e as situações de mudança são inoportunas. Mas este princípio, quando aplicado a processos da natureza, inevitavelmente conduz à confusão, pois a natureza não opera mecanicamente, mas funcionalmente.
Os místicos não desenvolveram sua couraça tão completamente. Eles permanecem, em parte, em contato com sua própria energia vital, e são capazes de grande compreensão interna (insight) por causa deste contato parcial com sua intimidade. Entretanto, Reich via essa compreensão interna (insight) como distorcida, uma vez que os místicos tendem a se tornarem ascéticos e anti-sexuais, a rejeitar sua própria natureza física e a perder o contato com seus corpos. Eles repudiam a origem da força vital em seus próprios corpos e localizam-na numa alma hipotética, que eles sentem ter apenas uma tênue conexão com o corpo.
Sobre os místicos, achava Reich que no rompimento da unidade de sentimento do corpo pela supressão sexual e no contínuo anseio de restabelecer contato consigo mesmo e com o mundo, encontra-se a raiz de todas as religiões negadoras do sexo. Deus seria a idéia mistificada da harmonia vegetativa entre o eu e a natureza.